Laura me perguntou uma vez:
— Se você pudesse fazer uma pergunta a Deus, qual seria?
Eu tinha 17 anos.
Não fazia ideia do que responder.
Naquele tempo, Deus era um conceito que mais me inquietava do que me acolhia.
Mas lembro da resposta dela.
Ela disse que perguntaria:
— “Qual é a minha missão?”
Essa pergunta grudou em mim.
Me acompanhou por anos, em silêncio, como uma interrogação que ecoava nos bastidores da vida.
O que eu perguntaria a Deus?
Qual era a tal missão?
Hoje, passados quase vinte anos, eu entendi.
Entendi não por que achei uma resposta definitiva, mas porque fiz as pazes com a pergunta.
Entendi que talvez a missão não esteja no que a gente faz, mas na forma como a gente escolhe viver.
Talvez esteja em honrar os vínculos reais, em respeitar os próprios limites, em dizer sim com o coração limpo e não sem culpa.
Essa jornada me levou para longe das certezas religiosas que um dia tentei compreender.
Hoje, não tenho fé em divindades, mas tenho uma fé inabalável no potencial humano.
Acredito na ciência, na razão e — mais do que tudo — no poder transformador da vulnerabilidade compartilhada.
No último ano, perdi pessoas que foram importantes pra mim.
O vovô e a vovó, por exemplo.
Eles não foram perfeitos — e talvez justamente por isso me ensinaram tanto.
Não pela ausência de defeitos, mas pela escolha consciente de amar apesar das diferenças.
Com o vovô, lembro de um pacto:
Escolhemos não discutir nossas discordâncias.
Elas eram grandes, mas não maiores do que o afeto que nos unia.
Essa escolha foi uma das lições mais bonitas que ele me deixou.
A vovó, por outro lado, era presença.
Ligava pra tomar café.
Queria pão de queijo.
Falava como quem ainda achava graça no cotidiano.
Eles seguem vivos em pequenos gestos e constantemente na minha memória.
E é nesses detalhes que eu aprendi o que realmente importa.
Hoje, eu acredito que todo mundo está lutando uma batalha invisível.
Carregamos saudades, medos, cansaços, silêncios.
E ainda assim, desejamos o mesmo: ser vistos como somos, sem precisar fingir.
A gente não precisa pensar igual.
Não precisa pertencer à mesma crença, nem à mesma ideia de mundo.
Mas precisa haver respeito.
E, infelizmente, às vezes nem isso acontece — nem mesmo entre os que carregam o mesmo sobrenome.
Então eu escolhi algo simples:
Ser verdadeiro.
Mesmo que isso signifique afastamento.
Mesmo que isso desagrade.
É mais honesto viver com autenticidade do que manter laços que sufocam só porque “é o certo”.
Sim, há vínculos que só existem na formalidade do sangue.
Mas amar — de verdade — só acontece quando há espaço para ser inteiro.
Não precisamos nos suportar.
Precisamos nos respeitar.
E se isso não for possível, tudo bem.
O silêncio também pode ser maturidade.
Mesmo sem uma crença espiritual, eu nunca deixei de acreditar.
Minha fé está na capacidade que temos de mudar.
De recomeçar.
De surpreender a nós mesmos — e de permitir que a vida nos surpreenda também.
A vida é breve.
Preciosa.
Às vezes brutalmente dura.
Mas é também o lugar onde a gente pode escolher, todos os dias, ser melhor.
Ser mais leve.
Ser mais humano.
Se existe uma missão, talvez seja essa:
Viver com verdade.
Cuidar das conexões que nos curam.
E deixar partir o que só machuca.
Porque no fim, tudo o que a gente mais quer é isso:
Pertencer.
Ser aceito.
Ser livre para existir — com falhas, com força e com sentido.
São Paulo/SP/BR, 14 de junho de 2025