Quando tinha 18 anos, minha mãe me disse: “Meu filho, você atingiu seu ápice. Daqui para frente é ladeira abaixo!”.
Mamãe não estava completamente enganada. Profissionalmente, minha vida foi ladeira acima; pessoalmente, ladeira abaixo. Mas levar minha vida pessoal ladeira acima levou 15 anos. Contrariando todas as previsões, não fui ladeira abaixo.
Sempre fui uma criança e adolescente quieto, cumpridor das minhas obrigações, obediente às regras. Poucas opções me foram dadas; sempre fui levado a fazer e acreditava que deveria obedecer. Mais de 10 anos de natação, estudando inglês e espanhol, mudando de colégio a critério dos meus pais. Sim, “white people problem”, reconheço. Havia vantagens em ser obediente: diferente do resto da família, cresci um pouco mais, adquiri habilidades em línguas que meus irmãos não desenvolveram. Mas não foi fácil. Fui uma criança e adolescente deprimido, e apenas hoje tenho consciência disso.
Minha primeira escolha acadêmica foi a faculdade a fazer. Mas havia regras: só podia prestar vestibular em faculdade pública, a até 600 km da cidade dos meus pais. Quando compartilhei minha primeira escolha — Relações Públicas — ouvi da minha mãe: “Pode tirar seu cavalinho da chuva, isso não dá dinheiro”. Naquela época, ainda usávamos o Guia do Estudante impresso para escolher cursos. Eu via, descartava um a um, e meu lado racional agia. A próxima opção viável era Direito, mas, apesar de bom aluno, nunca fui tão dedicado aos estudos; passar em uma pública era improvável, e o mercado de trabalho parecia difícil. A escolha seguinte se tornou Economia. Minhas notas eram suficientes, e o mercado promissor. Quem, aos 17 anos, escolhe faculdade com base no mercado de trabalho?
E assim a vida seguiu. Odiei a maior parte da faculdade, quase todo semestre quis desistir, mas continuei pelo argumento de que “a mesada seria cortada”. No último ano, consegui passar em um programa de trainee; a vida profissional me encantou — e menos de seis meses depois, veio o primeiro diagnóstico de transtorno de ansiedade. Um ano depois, depressão; logo, insônia; até chegar ao diagnóstico de depressão refratária, com a qual lido e trato até hoje.
Agradeço aos deuses da medicina e aos laboratórios farmacêuticos por todos os medicamentos pelos quais passei, e não foram poucos. Não me envergonho nem uma vírgula. Agradeço aos vários psicanalistas que cruzaram meu caminho, especialmente à minha penúltima, que me acompanhou por dois anos, quatro vezes por semana.
Mas, como disse, por muito tempo, minha vida pessoal foi ladeira abaixo. Remédios e psicanálise foram minha muleta contra dores existenciais e do mundo.
Os 30 chegaram. Para a maioria, talvez não seja marco relevante; para mim, foi. Queria ter conquistado mais, viajado mais, feito mais. Cabelos brancos começaram a aparecer, óculos tornaram-se indispensáveis. Tentei disfarçar sinais de envelhecimento, e continuarei enquanto puder.
Há pouco mais de um ano, senti um estalo: aquelas inúmeras sessões de psicanálise começaram a fazer sentido. Pela primeira vez na vida adulta, senti-me realizado, capaz de direcionar minha vida sem precisar agradar, sem seguir padrões familiares ou externos.
Senti a libertação de ser quem sou: cheio de defeitos, qualidades e possibilidades. Tomei decisões difíceis, escolhas improváveis, e me deparei com a vida em sua forma plena, nua e crua. Encontrei pessoas que nunca encontraria no óbvio da trajetória, para o bem ou para o mal. Simplesmente me permiti. Tem sido lindo, gratificante, vulnerável e desafiador.
Nem todo dia é glamouroso. Mas aprendi a reconhecer meus limites, desejos, momentos de egoísmo, e a enxergar o outro em sua insegurança. É fantástico nos percebermos iguais, tão pequenos que somos.
Por mais clichê que pareça, sinto que vivo meus 20 anos atrasado, mas com a sabedoria que os 30 proporcionam, com leveza e a sensação de que a guerra foi vencida.
“Uma das coisas mais difíceis sobre a cura é que a versão de você que você criou para sobreviver à guerra é alguém que precisa abandonar. A versão que você precisava para sobreviver não é a que pode seguir agora. Você deve deixá-la para trás. A batalha pode continuar, mas essa pessoa não pode ir com você.”
Florianópolis/SC/BR, 7 de maio de 2024